quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Nossa querida Rejane Maia, Coordenadora do Beje eró.





Matéria: Pedro Fernandes l A TARDE
Foto: Thiago Texeira l Ag. A TARDE

Para Rejane posicionamento político, militância e arte não são coisas distintas.

Achar a casa de Rejane Maia, 39 anos, no Conjunto Viver Melhor, no Ogunjá, é fácil. É só perguntar onde mora a baiana de Ó Paí, Ó, alcunha que recebeu depois de atuar no filme e na minissérie da Rede Globo que já teve duas temporadas.
Embora ela já fosse bastante conhecida em seu bairro, nem todos sabiam o que ela fazia de fato. No início dos anos 90, trabalhava durante o dia e quando chegava à noite voltava a sair pelas ruas escuras da antiga Vila Yolanda Pires, hoje Viver Melhor, no Ogunjá.
Seu destino era ignorado da maioria dos vizinhos, que costumavam bisbilhotar e perguntar maliciosos ao seu marido aonde ela ia a uma hora daquelas. “Pergunte a ela”, ele respondia. Ninguém nunca perguntou e Rejane continuou com os ensaios no Bando de Teatro Olodum, grupo que ajudou a fundar e onde, em 20 anos, atuou em 17 peças, entre elas "Sonho de Uma Noite de Verão", "Medeia material" e "Cabaré da Rrrrraça".

A primeira foi "Essa É Nossa Praia". Na época, os vizinhos não iam muito ao teatro. Com o tempo, Rejane começou a organizar excursões para o Vila Velha e mostrar o trabalho que fazia. Hoje todos os vizinhos sabem, também por meio do cinema e da televisão, para onde ela ia. É essa vontade de dividir o que sabe, o que teme o que faz com as pessoas à sua volta que define a personalidade da atriz, dançarina, líder comunitária e arte-educadora.
Paixão pela dança - O Bando de Teatro Olodum não foi o seu primeiro contato com o palco ou com a arte. Desde criança, não parava quieta e vivia dando uma de artista dentro de casa. Sua paixão sempre foi a dança, embora tivesse dúvidas por causa do seu tipo físico.
Não achava que uma “negra de bunda grande” pudesse dançar. Depois que viu mestre King, professor de dança afro, em ação, percebeu que essa história de peso não era limitação. Antes ainda era uma característica da sua raça, da qual se orgulha em pertencer.
Nos anos 80, entrou num curso de dança do Sesc e, a partir daí, o que ia aprendendo passava para as outras pessoas do bairro onde nasceu, o Garcia. “Sempre gostei de dividir com as pessoas o que aprendo”, conta. Mesmo informalmente, começava aí seu trabalho de arte-educação que desde 1995 desenvolve na Comunidadede AtendimentoSocioeducativo de Salvador (Case) com jovens em conflito com a lei.
Mas antes disso veio o teatro, no início dos anos 90. Soube das oficinas do Bando, e mesmo não sendo exatamente a sua área de atuação, se interessou pela ideia política por trás do grupo. Para ela, posicionamento político, militância e arte não são coisas distintas.
No trabalho como atriz, considera-se muito intuitiva. No Bando de Teatro Olodum, aliou intuição e poder de observação com a técnica ensinada por gente como Márcio Meirelles e Chica Carelli para compor seus personagens. “Ela tem um humor muito específico. Está sempre contracenando com os colegas”, diz Chica Carelli, diretora do Bando de Teatro Olodum.
Qualidades - Quando a reconhecem e param na rua, costumam perguntam se ela é mesmo baiana de acarajé. Nunca foi. Mas a mãe e a figura da baiana, para ela, acumulam uma série de qualidades que lhe são muito familiares: o trabalho em conjunto, de um que mói o feijão, de outro que corta os quiabos, de um outro que ajuda a mãe a carregar as comidas até o ponto de venda.
Sabe disso porque é mãe não apenas da sua única filha biológica, ou das duas enteadas. É também mãe dos meninos com os quais trabalha na Case e dos que correm pelas ruas do seu bairro. Lembra de passar na rua com um turbante que costumava usar, ou com popinhas no cabelo, e os meninos chamarem-na de macumbeira, feiticeira.
Quando se encheu, em vez de ralhar, chamou alguns deles para brincar e fazer atividades artísticas. De sete, viraram dez, hoje são cerca de 70 crianças e adolescentes ligados ao projeto que criou em 2000, o Beje Eró – em Iorubá, saudação aos ibejis, que significa chamar os dois. O projeto desenvolve atividades artísticas como dança e teatro, e também reforço escolar.
“Ela é uma pessoa com uma ideologia política forte, talentosa e guerreira”, afirma Anativo Oliveira, amigo que a conheceu no Bando. Ele é o seu parceiro no trabalho socioeducativo que realiza no Beje Eró e na Case, trabalho do qual fala com muito carinho. “Às vezes, a gente sente a resistência inicial, mas vê que aquele menino tem uma doçura dentro dele. Canso de encontrar muitos deles na rua, casados, com filhos e me chamam dona Rejane, nega Reja. Fico triste apenas quando vejo que alguns não acreditam neles mesmos”.
A sombra de frustração passa muito rápido pelo seu rosto. Rejane tem trabalho demais a fazer para perder tempo com lamentações. O que não falta são filhos dos quais cuidar.

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